ANAVITÓRIA lança, de surpresa, disco inédito com 20 canções: Claraboia

Disco gêmeo de Esquinas, Claraboia é a outra face do projeto - íntima e crua, com participações de Rubel e Bruno Berle



Vitória me escreveu: tou feliz que você vai escrever esse riliru. Eu ri e senti amor por ela. Que palavra boa. Que neologismo gostoso. Release é um estrangeirismo frio e feio, emprestado de uma língua não tão inspirada como a nossa. Com toda a riqueza no português, por que não encontramos outra? Prefiro Riliru, que já vem acompanhado de um sotaque nortista tocantinense e de uma cachaça. Desce mais uma que eu tenho que fazer um riliru.

Essa é a operação que ambas realizam. Transformar as coisas duras em coisas gostosas. “Uma evidência de magia em meio ao nada.”

Um dia conversando com Gabriel Duarte (um dos produtores do disco, junto com Janluska e pegê), perguntei como tinha sido a experiência de produzir Claraboia. Ele respondeu que as duas têm a capacidade de criar momentos mágicos. Concordo. Elas realmente têm certa capacidade de conjurar magia - na vida, no estúdio, no palco. Essa alquimia do ordinário para o fantástico está no coração da música delas. E também no coração da busca consciente ou inconsciente que Ana e Vitória têm por uma vida mais vivida. Miles Davis dizia que você só pode tocar o que você é. Ana e Vitória cantam o que elas são. Desconfio que o que faz as duas serem tão grandes e angariarem um público tão fiel é exatamente o mesmo motivo pelo qual é excitante passar tempo com elas.

A história começa lá em 2022, em Los Angeles, em uma exposição de Bárbara Kruger. Era uma sala com imagens projetadas em paredes em paredes opostas, uma de frente para a outra. Na projeção da esquerda, um homem mais velho olhava para frente, como se estivesse diante de um espelho. Na da direita, um homem mais novo encarava este mesmo espelho. Duas imagens refletidas de momentos diferentes. Dois complementares opostos. Eureka.

Ana correu para Vitória e conceberam: e se fossem dois discos? Diferentes, mas complementares? Um super produzido, o outro cru? Um mais pop, o outro mais estranho? Dois lados de uma coisa só.

Esquinas (2024) e Claraboia (2025) são irmãos. Existem separadamente, mas são melhores juntos. E agora vou divagar um pouco mais, afinal no riliru estamos atrás da alma da coisa e não só dos fatos.

Esquinas é cinza, urbano, industrial. Claraboia é mato, bucólico, casa. Claraboia é um disco de cozinha. De jogo americano listrado e bordado de vó. Um disco de chá da tarde ou de larica da madrugada, com as duas sentadas com os pés em cima da cadeira. Claraboia é o mais perto que já deu para chegar da Ana e da Vitória de pijama.

As duas alugaram uma casa em Paranapanema, interior de São Paulo, e junto com a equipe montaram um estúdio no meio da sala. Queriam fazer um disco, mas queriam, antes de tudo, viver uma experiência gostosa. Ana diz que “é um disco de fragmentos de coisas, ideias não terminadas, um grande bloco de notas, coisas que eu achei que nunca iriam ser escutadas. E aí eu fui vendo tomar forma e hoje são umas das coisas mais favoritas que eu já fiz.”

A instrumentação é simples, quase toda calcada no violão, no piano e alguns discretos elementos eletrônicos quase invisíveis, atmosféricos. As duas cantam baixinho, sussurrando, e pela primeira vez, tudo em uníssono, sem aberturas de voz. É um disco sem encucação, sem giração de lâmpada. Simples e direto. Um registro daquelas semanas de Paranapanema, em que acordavam cedo, faziam seu exercício, almoçavam a comida da Eli, e lá, por volta das 14h começavam a trabalhar, até a hora que o cansaço batesse.

Mas a falta de pretensão não implica falta de cuidado. Muito pelo contrário. “Não tem nada da cara dos discos antigos, da vida antiga, mas acho que ele traz a gente pro lugar mais cru e sincero. A canção pela canção. O puro do mais puro do que poderia ter sido.” disse a Vitória.

Nos relatos da equipe, a palavra que se repete como mantra é “processo”. Para todos ali envolvidos, parece ter sido o processo mais leve, fluído e entrosado e emocionante, de todos, da vida. A mesa da varanda, com baralhos, tabacos, vinhos e bolo de cenoura da Eli (Ana me pediu para reforçar a importância de Eli como elemento chave na construção dessa atmosfera), o cachorro Manteiga (que também ganhou música), o riacho que passava ao largo da casa, onde o povo se banhava nas madrugadas enquanto Vitória dormia, os registros analógicos de Lívia, que captou tudo em fotografias e ainda criou um visualizer para cada canção, tudo isso é o disco.

Nos áudios que recebi sobre o processo, Lívia chorou, Vitória chorou, e isso também é o disco. “Como é bom tá perto de pessoas que a vida faz sentido junto, sabe? Eu acho mesmo que são pessoas - ai, encheu meu olho d’água, credo - acho que são pessoas muito especiais mesmo. Acho muito lindo observar como eles vivem a música. São todos mais novos, então eles tão naquela sede do cão. Acho foda o Dani, o Janluska, o Pegê, todo mundo ali. Acho que tive mais tempo de observar eles existindo. Tô feliz com esse projeto. Nossa como eu falo, já são oito minutos de áudio! Problema é teu que arrumou esse serviço pra tu, credo.”

Problema é meu, que ainda nem consegui falar sobre as faixas, que são vinte no total. Vou me ater aqui ao que, para mim, são as canções-chave, que revelam parte do todo: Claraboia abre com “Rua dos Abacateiros”, uma canção-inventário, tão característica dessa última safra de composições. Listas de objetos, memórias, sensações. Me remete ao período de parcerias inspiradas de Nando Reis para Marisa Monte, como “Diariamente”. De alguma maneira, parece também conectado ao cordão umbilical do “N” - disco da dupla lançado em 2019, em que fazem releituras minimalistas de músicas do Nando Reis.

“Olhar Pra Você”, composição de Bruno Berle, cantada em parceria com o próprio, dá o tom da estética do disco. Bruno Berle se afirmou com um estilo muito particular de gravar canções de forma ao mesmo tempo caseira e sofisticada. A parceria, talvez inusitada, revela a guinada de direção que o disco promove, saindo dos holofotes da canção pop, e se aproximando da estética experimental e alternativa.

“Em Voz Alta”, Ana amplia a temática das composições, alargando o espaço das canções de amor, e encontrando aqui uma divagação singela sobre o gesto de se ler em voz alta. Não consigo não lembrar de “Livros”, de Caetano Veloso - outra divagação sentimental e tátil sobre a relação com a leitura. Ambas cartas de amor às páginas e às palavras. O disco todo, de alguma maneira soa como uma carta de amor de Ana e de Vitória às palavras. Pela forma íntima com que cantam, pela intenção precisa na escolha de cada verso.

“Isso É Deus”, foi escrita por mim mesmo sob encomenda para o Claraboia. Havia acabado de sair de um retiro no Candomblé. Muitas das inquietações que vivi no terreiro, sobre as possibilidades de ser prever o futuro, sobre as possíveis manifestações de Deus em vida, acabaram ganhando forma aqui, em uma canção folk/gospel que mirava na estética e da emoção do início de nossas carreiras, quando nos conhecemos em meados de 2015.

“Aza” é uma das canções de amor mais bonitas da dupla. A maneira como a melodia intricada se desenrola de maneira imprevisível, e como as palavras vão acompanhando, em perfeita harmonia, revelam que esse negócio de fazer canção é realmente um ofício que pode ser aprimorado e talhado. Ana Caetano se provoca, gosta de sentar e escrever, e faz isso cada vez melhor. Me chama atenção também, como aqui, as duas vozes em uníssono realmente se fundem em uma voz só. Os timbres aproximados parecem ocupar um lugar novo onde as vozes soam mais encorpadas, amadeiradas, mais 30 anos de vida.

“Paranapanema” é uma canção escrita durante a imersão na cidade-título, durante o aniversário do Biel, e que amarra o registro da experiência vivida, em tempo real. Contém alguns dos versos mais inspirados, que torno a citar mais ali na frente.

Claraboia é uma palavra que perdeu o acento agudo, mas ganhou um disco. Claraboia é um espaço no teto por onde a luz do sol pode entrar. Claraboia é um refresco, um alívio. A metáfora é simples e direta. E até aí tudo bem. Mas o que acontece quando essa luz entra? É um sol das 9 da manhã ou um sol do meio dia? Qual o ângulo em que esse sol bate? O que muda quando o teto abre espaço para o céu? Como era o azulejo dessa casa que tem claraboia? É na serra ou no mato? Dá para ver aquela poeirinha? Dá para ver também as estrelas? Um alívio de quê? Na minha percepção, é nessas perguntas que o disco opera. São essas perguntas que a elas interessam.

Nas frestas e nos momentos desavisados.

É muito bonito como Anavitória conseguiram preservar, em meio às pressões comerciais, em meio às pressões dos fãs, às pressões das fofocas e da sexualização tão caras ao universo pop, uma integridade e uma maneira de conduzir as coisas. Vai ser assim. Vai ser do nosso jeito. Uma resistência que não grita, sussurra. Como diz Valter Hugo Mãe, “escolhi não abrir mão da minha sensibilidade”.

Elas não abrem. Claraboia é uma vela fincada num bolo. Não abriremos. Sopram as velas. Aqui estamos. Aqui elas residem e residirão até o fim. No coração da música brasileira. Na junção poderosa entre o faro genuíno para o que é popular e a curiosidade natural para o que é estranho. O pop e o alternativo. Sempre o Brasil. Sempre a canção. Sempre um jeitão de ver o mundo, de sentir a vida. A vida, a vida, sempre a vida. E o amor, o amor, sempre o amor. Sempre a vontade, a inquietude, um passo surpreendente e inevitável. Um sotaque engraçado. Surra de graça. Como diz Gregório, “amor à granel”. Como dizem as Anavitória, “Que amor inteiro é o amor de um amigo. Que maravilha encontrar vocês aqui.”

Por Rubel
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claraboia

um álbum de ANAVITÓRIA

Produção musical de Janluska, pegê e Gabriel Duarte Mendes

Gravado e mixado por Dani Mariano e Gabriel Duarte Mendes

Masterizado por Fili Filizzola

Direção de produção: Isadora Silveira
Assistentes de produção: Malu Dacio e Gabriele Oliveira
Direção comercial: Mariana Madjarof
Direção executiva: Felipe Simas
Fotos e vídeos: Lívia Rodrigues

Gravado nos estúdios Claraboia Paranapanema,
em São Paulo, entre fevereiro e abril de 2025

Data de lançamento: 16 de setembro de 2025
Play links: https://ingrv.es/claraboia
Gravadora: F/SIMAS

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